Demorou, mas aconteceu. Os
meses se passaram e ela percebeu, aprendeu. Eleonora fez a grande descoberta da
vida, e já era tempo.
Finalmente, dentro da sua
cabecinha que trabalha a mil por hora, chegou a informação, a notícia, a
realidade que nenhum bebê quer saber: eu não sou a mamãe, a mamãe não sou
eu.
Por fim, ela se enxergou
como um ser humano independente daquele que a gerou, que a alimenta, que a
acolhe. E para ela (como é para a maioria dos bebês), a notícia foi
devastadora, assustadora, aterrorizante.
Foi depois dessa grande
descoberta, que chegou pra valer aqui em casa, entrando sem pedir licença, a mardita da "angústia da
separação". E com ela veio uma obsessão maluca pela mamãe. Resultado: mamãe não
pode sair do campo de visão do filhote.
Na cabecinha da pequena,
se ela não vê, então não existe. Se eu não vejo a mamãe, então ela foi embora.
E por isso ela bota boca no mundo com vontade.
Meu caro, tem que ser
muito macho para encarar mais essa. Duvida? Dá uma lidinha aí embaixo como
é uma noite/madrugada de quem tem a companhia dessa bendita angústia em casa.
Acompanhe:
22:00 - Bebê na cama, hora de
dormir. Finalmente o pai e a mãe vão jantar depois de um dia exaustivo, com
muito trabalho e um bebê que deve ter chorado umas 5 cinco horas, sem exagero.
23:00 - BUÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ
UUUUUÉÉÉÉÉ UÉÉÉÉ UÉ UÉ
Mamãe corre no quarto,
segura na mãozinha, faz carinho na cabeça, sussurra no ouvido. Cinco minutos
depois, bebê dorme.
Pai e mãe vão dormir.
00:00 - BUÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ
UUUUUÉÉÉÉÉ UÉÉÉÉ UÉ UÉ
Mamãe corre no quarto,
segura na mãozinha, faz carinho na cabeça, sussurra no ouvido. Dez minutos
depois, bebê roncando.
A mãe, que estava entrando
num soninho gostoso na hora do choro, capota na mesma hora.
01:00 - BUÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ
UUUUUÉÉÉÉÉ UÉÉÉÉ UÉ UÉ
Mamãe corre no quarto,
segura na mãozinha, faz carinho na cabeça, sussurra no ouvido. Bebê reclama,
resmunga, quer colo. Mamãe pega, nina por uns 10 minutos e bingo! Bebê dormiu.
Mamãe perdeu um pouco o
sono depois do susto. Vai ler um livro pra ver se o sono volta. Lê dez páginas
e ¡adiós!
02:15 - BUÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ
UUUUUÉÉÉÉÉ UÉÉÉÉ UÉ UÉÉÉÉÉÉÉÉÉ
Mamãe corre no quarto,
segura na mãozinha, faz carinho na cabeça, sussurra no ouvido. Põe a chupeta,
dá o paninho, faz um cafuné. Espera 15 minutos e voilà! Dormiu!
Nesse momento a entidade
da mulher faxineira toma conta do corpo da mãe, e ela começa a arrumar a casa,
lavar a louça, dobrar umas roupas, catar os brinquedos espalhados pela casa.
Toma uma água e cataploft!
03:40 - BUÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ
UUUUUÉÉÉÉÉ UÉÉÉÉ UÉ UÉÉÉÉÉ
Mamãe acorda quebrada,
vira pro lado e manda o pai ir lá acodir. O pai vai meio sonâmbulo. BUÉÉÉÉ
ÉÉÉÉÉ UUUÉÉÉÉ. A mãe semi-acorda. UÉÉÉÉUÉÉÉÉ UÉÉÉÉÉ. Ela espera 5 minutos.
BUUUUÉÉÉÉÉÉÉ. Não adianta, a menina quer a mãe.
Mamãe corre no quarto,
segura na mãozinha, faz carinho na cabeça, sussurra no ouvido, dá um pouco
de mamar. Dez minutos depois, ZzZzzzzzzz.
04:30 - BUÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ
UUUUUÉÉÉÉÉ UÉÉÉÉ UÉ UÉÉÉÉÉ
Mamãe corre no quarto, já
levando o seu travesseiro. Deita do lado do pequeno colchão, encima do tapete.
Põe a chupeta, dá o paninho, segura na mãozinha e cinco minutos depois, as duas
pra lá de Bagdá.
Uns 35 minutos depois, a
mãe acorda quebrada. Levanta sem fazer um pio, e sai à francesa do quarto, bem
de fininho, para voltar pra cama.
05:30 - BUÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ
UUUUUÉÉÉÉÉ UÉÉÉÉ UÉ UÉÉÉÉÉ
Mamãe levanta e corre no
quarto, mas antes dela chegar o choro cessa. Mamãe só bota a cabeça na abertura
da porta, e a bebê tá lá, de chupeta na boca, segurando seu paninho, olhando
esperançosa pra porta. Ela olha a mãe e sorri, vira de lado, se ajeita
no travesseiro, solta um barulhinho e dorme tranquila depois de ter visto
o rosto da mamãe.
A mãe tem um ataque de
fofura e vai lá dar uma cheiroquinha na filhote antes de voltar pra cama.
06:00 - O despertador toca. Como
assim já amanheceu?
A mãe levanta que nem um
zumbi, para mais um dia cheio.
É depois de uma noite
dessas, que não existe corretivo no mundo que melhore as minhas olheiras, que
as horas passam de forma estranha, que passo o dia tirando uns cochilos esquisitos, sonhando as coisas mais malucas possíveis, e com um humor
daqueles.
E fazer o quê? Tem que
esperar passar. Pedir paciência. Contar até 100, 200, 500... e porque não, se
permitir chorar e extravasar um pouquinho. Chorar as mágoas para outras
mães.
E, no fim, trazer o
filhote para perto, e dizer que não tem problema, que a mamãe não vai embora,
que não precisa ter medo, e que se necessário, levantamos mais 1, 2, 3 vezes.
E aí, vai encarar?